Os espetáculos que trago neste livro, ‘Autos atos teatrais’, talvez sejam excessivamente idealistas para uma sociedade onde imperam as desigualdades de raça, gênero e classe. Entretanto, não faria sentido passar por esta vida e não questionar os males que nos aflige, ainda mais sendo eu de origem pobre, negro e nordestino. Identidades estigmatizadas, discriminadas e relegadas ao desprestígio, nesse país que reclama uma branquitude a qual não possui.
Para o escritor moçambicano Mia Couto, o ato de escrever é um reclamo por um mundo melhor. Segundo ele, “nenhum escritor pode dizer que está ausente dessa intenção de mudar o mundo”. O saudoso humorista e dramaturgo Jô Soares, nos estimula na empreitada de enfrentar os males que nos inquietam refletindo que “a vida é o que a gente veio fazer aqui”.
Em ‘Uma ideia chamada Negro Cosme’ resgato figuras da Revolta da Balaiada (1838 a 1841), fazendo justiça a Cosme Bento das Chagas, o Negro Cosme, que deu sua vida pela causa negra, e incluo pessoas que há mais de 20 anos estão na luta pela nossa emancipação negra, em Imperatriz. No espetáculo, ‘O Rei Communis’, volto no tempo e brinco com a imaginação para tratar de um tema atual que não seria tabu, se a hipocrisia não imperasse no seio de nossa sociedade, que é a homossexualidade. De todos os espetáculos, penso, esse é o mais improvável, mas necessário.
O livro é finalizado com a comédia, ‘Escorregou, foi na calçada!’, onde destaco a fragilidade e incoerência de certos valores que a sociedade professa, inclusive, com a confidencialidade de instituições paradigmáticas como a Igreja, que acaba por se colocar em situações embaraçosas. É um viva às nossas tradições populares nordestinas.
Esses três espetáculos, e em especial seus personagens, são resultados de vivências e escutas. E transformá-las em ação teatral foi um exercício de imaginação e divertimento, mas claro, sem deixar de lado o tom questionador de sempre.
Espero que goste.